O lançamento do 3º Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3) parecia um evento governamental comum. Naquele 21 de dezembro de 2009, o ministro Paulo Vanucchi, da Secretaria Especial de Direitos Humanos, discursou e lembrou dos tempos da ditadura militar. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, se emocionou ao deparar-se com companheiros do combate à ditadura, que compunham o plenário. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva saudou os participantes, deixou de lado o script e improvisou um discurso, arrancando risos e aplausos da plateia.
Para a grande imprensa, o evento não parecia ter qualquer importância. A não ser por um fato: a presidenciável Dilma Rousseff aparecera sem peruca, pela primeira vez desde o início de seu tratamento contra um linfoma.
No dia seguinte, o jornal de maior circulação nacional, a Folha de S. Paulo, por exemplo, destacou o novo visual da ministra, mas não apresentou uma linha sequer sobre o conteúdo do plano. Duas semanas depois, entretanto, o plano, que fora “ofuscado” pelo cabelo curto de Dilma, tornou-se o principal assunto dos noticiários, com uma série de distorções e uma guerra de desinformação.
Outro fator que causa estranheza é o PSDB engrossar o coro contra o PNDH3, sendo que este se assemelha, em muitos aspectos, aos planos elaborados na gestão tucana (o primeiro em 1996 e o segundo em 2002). Por outro lado, o plano tem tido respaldo de diversas entidades da sociedade civil, como a OAB e a CUT.
Reação precipitada
Por entender os direitos humanos como um conjunto de garantias – desde o acesso à comunicação até a integridade física –, o PNDH3 conta com diversos temas. Tal como o documento, a reação também foi transversal: Forças Armadas, Igreja, ruralistas, associações patronais da imprensa e a ala mais conservadora do governo vociferaram contra a medida.
A crítica que tem tido mais atenção é a dos militares. As Forças Armadas e o ministro da Defesa Nelson Jobim condenaram a criação da Comissão Nacional da Verdade, alegando que ela visa punir os militares na ditadura, sem investigar as ações da esquerda armada no período. “Esse argumento [de que a esquerda não será punida] demonstra absoluta ignorância da Lei de Anistia. Na verdade, todos os opositores que pegaram em armas, com raras exceções, foram presos, mortos e torturados. E grande parte de seus cadáveres estão desaparecidos. Aqueles que mataram, torturaram e estupraram em nome do governo não cometeram atos violentos? O sequestro e a tortura são ou não são um terrorismo de Estado?”, questiona o jurista Fábio Konder Comparato.
Para o diretor do Fórum dos ex-presos políticos, Maurice Politi, a reação dos militares foi precipitada, já que a constituição da Comissão Nacional da Verdade ainda depende da redação de um projeto interministerial, que necessita ser enviado ao Legislativo e aprovado.
“A imprensa e os militares fizeram um grande 'auê'. Se anteciparam sem ter lido o plano. Disseram que estavam querendo revogar a Lei de Anistia, sendo que isso não foi proposto. A grande imprensa cumpre um papel de desinformação. Quem tem culpa no cartório assume a culpa, mesmo que a culpa ainda não tenha sido revelada”, analisa.
Plínio Arruda Sampaio, ex-deputado constituinte e hoje membro do Psol, ironiza o debate em torno de eventuais punições aos militantes anti-ditadura. “Tem que se fazer um esforço tremendo para julgá-los, pois terão que ressuscitá-los, pois a maioria está morta. As maiores vítimas desse processo foram os combatentes contrários à ditadura, que foram massacrados numa guerra desigual. Me espanta que o Jobim defenda isso [julgamento de guerrilheiros]”, diz.
Transversalidade
Além dos militares, a Igreja Católica protestou contra o item que trata o aborto como uma questão de saúde pública. As associações patronais da imprensa também atacam a medida, que prevê uma comissão de acompanhamento editorial que visa denunciar eventuais desrespeitos aos direitos humanos por parte da mídia. Já os ruralistas chamaram de “fim da propriedade privada no campo” um item que prevê a mera mediação de conflitos fundiários.
Justamente por esses ataques simultâneos, Plinio Arruda Sampaio afirma que o lançamento do programa foi um erro de cálculo político do governo, apesar de concordar com todos os itens do PNDH3. “O fato de conter muitas coisas em um programa só, no ponto de vista da tática, foi falho. Em vez de batalhas sucessivas, o governo vai ter que travar batalhas simultâneas, e pode começar a recuar por não ter tanta força. Assim, a essência do programa pode ser afetada”, opina Plinio.
A reportagem é de Renato Godoy de Toledo com a colaboração de Aline Scarso, da Radioagência NP.
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