O pequeno brasileiro citado na nota abaixo, um brasileiro ainda sem nome, morreu hoje. Um brasileirinho morto pelo descaso das "autoridades" e dos "senhores de bem". Um pequeno Guarani, que em suas poucas horas de vida sofreu o que seu povo sofre há décadas em Santa Maria.
Não façamos coro ao silêncio daqueles que deveriam protegê-lo. Não nos calemos frente a morte, à ausência de dignidade e de respeito. Quem ainda acredita em algum tipo de mudança e preza pela vida humana, não deixe suas palavras ao vento: se manifeste!
Não façamos coro ao silêncio daqueles que deveriam protegê-lo. Não nos calemos frente a morte, à ausência de dignidade e de respeito. Quem ainda acredita em algum tipo de mudança e preza pela vida humana, não deixe suas palavras ao vento: se manifeste!
Mais um brasileiro
Na gélida noite do dia 09 de junho, perto das 19h30, sem luz, sem água, sem parteira, embaixo da lona preta, veio ao mundo mais um brasileiro, mais um santamariense, da etnia Mbyá-Guarani. O neófito, ainda sem nome, veio com a tosse e por causa dela, herança de uma provável pneumonia da mãe, legado nosso. Não pôde esperar o Estado, sua mãe só teria uma consulta no dia seguinte. Nasceu com frio, aparado por sua tia. De quente, as lágrimas de sua mãe.
Marcelino Martins e Suzana Benites, os pais, felizes e tristes ao mesmo tempo: a tradição do Povo manteria seu curso, mas na miséria deles, vislumbram um futuro sombrio para seu filho. Marcelino pensa isso enquanto fuma em silêncio o tabaco no petynguá, junto com seu cunhado o cacique Mariano Benites.
Eles têm muito a oferecer, sua cultura, sabedoria milenar, seus nomes nas coisas, coisas com seus nomes. Mas não tem as coisas mínimas para sobreviver. Dos brancos, herdaram a alcunha dos césares, na prática, um monte de “inutilidades necessárias”, nada mais. Ganharam o Dia do Índio, mas esqueceram do respeito.
Sua Comunidade vive às margens da BR-392, em cima do barranco. “Não tem terra!” vociferam os não indígenas, onde todos sabem que tem. As autoridades não se entendem nas “competências”, onde o que impera é a incompetência. Luz? “Não pode!”. Mas a rede passa em cima do Acampamento... “Não pode! DNIT não deixa!”. Água? “Vamos ver, hora dessas, quem sabe...”.
E o tempo vai passando. Aqui, neste acampamento, estão a cerca de vinte anos. Nessa cidade, antes dela, que ajudaram a levantar. Em 1809, Santa Maria da Boca do Monte (ainda povoado de Rio Pardo) contava com a população de 150 brancos, 35 escravos e 109 guarani. Lutaram séculos, sofreram um verdadeiro genocídio físico e cultural. Quase foram derrotados. Hoje, seus filhos falam guarani, seusKaraí (pajés/médicos) conhecem os remédios da natureza, seu povo busca Nhanderú (Deus) na Casa de Reza, nãos espancam suas crianças, essas, entre si, não praticam o tal do bullying.
Karaí Marcelino bate o petynguá para limpar as cinzas e coloca mais um pouco de tabaco. Dá uma baforada. Enquanto a fumaça se dissipa no ar, pede para que Nhanderú abra os corações dos brancos para a luz entrar. Para que eles percebam e assumam suas responsabilidades pela invasão do Brasil. Se é que eles ainda têm coração e lembram o que significa responsabilidade. São os “giruá”, “palavras ao vento”.
Nota do Grupo de Apoio aos Indígenas de Santa Maria | GAPIN
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