Manifesto Solidariedade Incondicional ao Ataque a Bienal
"O insulto, o presídio e a ameaça de morte não podem impedir que o utopista sonhe... é aos iludidos e utopistas de todos os tempos a quem a humanidade deve o seu progresso. O que é civilização senão o resultado dos esforços dos utopistas? As liberdades conquistadas pela espécie humana são obras dos ilegais de todos os tempos, que tomaram as leis em suas mão e as despedaçaram".
Ricardo Flores Magón
Ricardo Flores Magón
A partir do segundo semestre de 2008 dá-se início uma sequência de ações que visaram alvos símbolos dos espaços de legitimação e produção de arte burguesa na cidade de São Paulo. "Beleza", potencial comercial, requinte de materiais e "pedigree artístico" são os conceitos em foco nesta batalha. Nesta sequência de ações estão: Centro Universitário de Belas Artes, Galeria Choque Cultural, murais clássicos do graffiti paulistano e Bienal de Artes Visuais, todos estes espaços localizados na cidade de São Paulo. Em síntese, espaços físicos carregados de bens simbólicos no universo da arte foram objetivamente atacados por um grupo de pixadores, gerando as esperadas investidas de repressão e perseguição política por parte das instituições ofendidas.
Com isso temos a seguinte posição: desejamos uma arte engajada, porém não renegamos – e seria um disparate completo negar – as distintas expressões que ilustram a trajetória da arte ocidental. Mas exigimos que estas produções sejam fruto histórico do passado ou da contemporaneidade, apropriadas por amplas camadas da sociedade, não na forma de um espetáculo, como as grandes feiras, mas com o cuidadoso tempo pedagógico, ou seja construção de conhecimento não é como um depósito bancário, exige um processo para a sua apropriação. Não nos serve uma arte restrita a um estreito curral de intelectualóides egoístas voltados para o seu hermético universo. Combatemos os elementos doutrinadores dessa ordem usurpadora da produção humana. As bienais pelo mundo e as grandes mostras de arte movimentam cifras zilhonárias, geram lucros para verdadeiros "Trusts do Sistemas das Artes", grandes figurões, intelectuais, empresários, governos, e um reduzidíssimo número de artistas herdam todo bônus desse grande negócio.
Daí vem a dimensão da repercussão que causou o grupo de pixadores que fizeram os ataques em São Paulo. Neste caso não foi um dano ao nível econômico que movimenta este negócio, mais sim um ataque a um símbolo de uma arte elitizada e voltada para si mesma, um ambiente estéril sem "aisthesis", incapaz de dar sentido à sua existência. Também temos clareza que em virtude da decadência do sistema educacional que temos, resultado de opção dos governos, temos gerações de sujeitos sociais sem o menor estímulo para o exercício do pensamento complexo, evidentemente deixando a possibilidade de fruição dos níveis mais complexos das artes para uma pequena fração da sociedade normalmente encontrada na Academia. A audácia que estes jovens cometeram foi e é de um valor extraordinário, semelhante às produções dos artistas anti-arte no início do século XX como dadaístas e futuristas, questionando suportes, instituições e linguagens da arte conservadora da época. O curioso é que não temos memória de haver uma ação tão implacável contra algum artista, como houve contra Caroline. Opa, houve sim! No período de Ditadura Militar, na recente história deste país, militantes de diversos setores foram presos torturados e mortos por pensarem e ousarem mudar as normas estabelecidas. Algo também interessante nesse episódio é que crimes hediondos como: o massacre de Eldorado dos Carajás, massacre do Carandirú, massacre de Corumbirara, massacre de Vigário Geral, curiosamente a justiça deste país nem sequer atribuiu cinquenta e três dias (53) de pena aos responsáveis das atrocidades como o fez com Caroline. Como diz o ditado popular: "dois pesos duas medidas", não é mesmo senhores magistrados? Considerando os fatos e as questões de fundo, pensamos: A dimensão da nossa revolta não cabe na mais ampla sala de uma galeria de arte como a nossa dignidade não será persuadida pelo discurso mais progressista e conciliador de um político. Nosso interesse é construir uma relação de poder muito distinta da que hoje constitui a sociedade de classes que vivemos. Com isso nossa intervenção artística não tem vocação para estar apartada dos conflitos e das necessidades que o nosso povo carece. Produzimos nossa arte mesmo com o risco de sofrermos as punições de um Estado perseguidor e exterminador dos dissidentes da lógica hegemônica, como diz a letra "o crime de rico a lei o cobre, o Estado esmaga o oprimido, não mais direitos para pobre ao rico tudo é permitido". Façamos de cada dia o respirar da nossa arte, um grito de transgressão das normas estáticas e conservadoras da arte. Pintando, pixando e colando, façamos exemplos de luta e de audácia contra aqueles que na melhor das hipóteses nos querem na cadeia. Sem trégua para os ricos, sem trégua para os políticos. Coragem contra a repressão, pois incansável e destemida é a nossa tarefa. Nossa solidariedade incondicional à Pixação Paulistana e seus audaciosos executores.
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