"O pedido de extradição de Cesare Battisti é mais uma grande articulação da ultradireita européia no sentido de se fortalecer e construir governos/Estados ultra-centralizados, fortes e totalitários".
Há quase dois anos, o italiano Cesare Battisti está preso no Brasil. Há duas semanas, o Comité Nacional para Refugiados, Conare, recusou conceder-lhe a condição de refugiado. Na semana passada, a Comissão Executiva Nacional do PT adiou uma decisão quanto a uma extradição ou não de Cesare Battisti, reclamado pela Itália, sobre a acusação de ter cometido, há 30 anos, quatro assassinatos, quando membro de um grupo de extrema-esquerda, e condenado, à revelia, à prisão perpétua.
O destino de Cesare Battisti está agora nas mãos do ministro da Justiça, Tarso Genro, ao qual cabe tomar uma decisão no recurso impetrado em favor de Battisti contra a decisão do Conare. Para interceder por Battisti junto ao ministro, em nome dos europeus reunidos em comitês de apoio, está em Brasília a escritora francesa Fred Vargas, que vem financiando o pagamento da defesa de Cesare Battisti.
Uma extraordinária campanha promovida pelo governo italiano ignorou as condições em que se desenrolou o processo sem presença do acusado e procurou transformá-lo num simples criminoso de direito comum. Essa campanha, no Brasil, acabou conquistando a revista Carta Capital, cuja matéria parcial parecia ditada pela embaixada italiana em Brasília. Na França, não foi muito diferente, o jornal Le Monde e a revista Nouvel Observateur deixaram de apoiar Battisti, enquanto o Partido Socialista, em plena crise, num acesso de covardia preferiu evitar pronunciamentos com receio do tema ser impopular, mesmo se foi o presidente François Mitterrand o primeiro a proteger Cesare Battisti.
Por que a Itália se lembrou de Cesare Battisti que, depois de mais de vinte anos de fugas, vivia tranqüilo em Paris, misto de escritor de romances policiais com zelador de imóvel para sobreviver? Por que a França que já havia dado acolhida a Battisti, sob o governo François Mitterrand, decidiu reabrir a questão?
Cesare Battisti é apenas um bode expiatório, cujo sacrifício é pedido por interesses políticos da direita, num momento de covardia generalizada do socialismo francês, enfraquecido por suas lutas internas. Ao exigir a extradição dos italianos perdoados por Mitterrand, em 2004, a Itália se aproveitava da derrota dos socialistas e da chegada ao poder de Jacques Chirac. A questão já estava praticamente encerrada, Cesare Battisti vivia legalmente em Paris com um título de residência permanente e estava prestes a obter a nacionalidade francesa.
Entretanto, o governo Chirac aceitou reabrir o caso para mostrar ao eleitorado de direita que não trilhava o mesmo caminho de seu antecessor socialista em matéria de anistia política. Houve também promessas de vantagens comerciais para a França por parte do governo italianos. Assim, o tribunal de apelação de Paris seguiu as decisões políticas do novo governo de direita e, em lugar de promover um novo processo ou rejeitar o pedido de extradição de Battisti, preferiu aceitar o julgamento feito na Itália, sem levar em conta como se efetuara.
Isso foi considerado uma aberração jurídica, à qual se seguiram diversas violações ditadas pelos interesses políticos daquele momento. Assim, houve a violação do direito de asilo concedido pela França de maneira tácita aos refugiados italianos fazia 20 anos, assim como a violação da palavra do presidente Mitterrand em 1985 em termos públicos, e noticiada pela imprensa. Houve igualmente violação da declaração escrita do primeiro-ministro que autorizou a entrega a Battisti de um documento de permanência válido por dez anos, ao qual naturalmente se segue a naturalização do beneficiado.
Houve igualmente infração à Convenção Internacional dos Direitos da Criança, pois se ignorou a existência de duas crianças francesas filhas de Battisti, nascidas em Paris, e que seriam privadas do pai, no caso de sua extradição.
Como todos os golpes são permitidos, é com ironia que a escritora Fred Vargas afirma numa de suas entrevistas, na França, sobre o caso – "no Brasil, não se extradita ninguém por crime político, então a Itália faz todo o possível para explicar agora que Battisti é culpado de crimes de direito comum".
Da França para o Brasil
Pouco antes da decisão judicial francesa que o extraditaria para a Itália, onde iria apodrecer na prisão se não fosse morto, Cesare Battisti que já havia fugido no passado da Itália para o México, retomou sua vida de foragido e acossado conseguindo chegar até o Brasil.
Embora se julgasse em paradeiro desconhecido, afirmam os defensores franceses de Battisti que a polícia francesa sabia onde ele se escondia e, o então ministro do Interior Nicolas Sarkozy preferiu adiar o pedido de sua prisão ao Brasil, para a época das eleições, o que de fato ocorreu, para reforçar sua candidatura à presidência.
A prisão ocorreu pouco antes das eleições presidenciais francesas, no momento em que Battisti ia receber uma ajuda em dinheiro para sua sobrevivência, enviada pelo comitê que o apóia na França.
Um ano depois de preso, o procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, deu parecer favorável à extradição, aceitando a argumentação do governo italiano de que Battisti cometeu crimes de direito comum e não político, sem entrar no mérito do próprio julgamento italiano, considerado por tantos juristas europeus como um simulacro de julgamento.
Na verdade, alguns membros arrependidos do movimento de extrema-esquerda do qual participava Battisti, aproveitando-se de sua fuga, jogaram sobre ele todos os crimes cometidos pela pequena organização, acusações aceitas pelos juízes, muitos deles ainda hoje no Judiciário e desejosos de que o caso seja logo liquidado com a extradição de Battisti, para não serem levantadas as irregularidades processuais cometidas durante o julgamento do processo.
O Conare seguiu o parecer do Procurador Geral e negou o refúgio humanitário a Battisti, e assim o Brasil que, no passado, acolheu o colonialista francês Georges Bidault, o salazarista português Marcelo Caetano e o ditador-general paraguaio Alfredo Stroessner, poderia rejeitar o pedido de um combatente de esquerda que nega os crimes que lhe são imputados pela justiça italiana?
Na verdade, o único processo efetivo contra ele foi o de ter pertencido a uma organização extremista de esquerda, pelo qual cumpria pena na Itália, até sua fuga para o México. A condenação por crimes a partir de denúncias de "arrependidos" foi feita à revelia (sem sua presença), e duas acusações parecem obviamente absurdas, pois tratam de dois crimes cometidos no mesmo dia em lugares distantes 500 quilômetros um do outro.
Circulam rumores na imprensa francesa de que teria havido um acordo entre o Brasil e a Itália-França, pelo qual entregaram o banqueiro Savaltore Cacciola para terem em troca Cesare Battisti.
Rui Martins
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